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A vida era difícil, recém formado, dificuldade de arranjar um bom emprego e de ganhar seu sustento dignamente. O Dr. Alceu era mais um entre milhares de profissionais mau pagos que enchem as folhas de pagamentos de governos do terceiro mundo. Ele sonhava com a independência financeira e com a possibilidade de ter tudo o que sempre sonhara. Uma vida farta e cheia de benesses.
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Cansado de esperar pela chance que nunca chegava, resolveu que iria abandonar a carreira. Não entendia como os médicos enviados para os postos conveniados da Previdência Internacional e que prestavam serviços para a Família Real de Uati e de outros países, dispunham de servos, veículos luxuosos com mordomias variadas, casas em lugares incríveis e maravilhosas. Seus filhos estudando com os melhores mestres de todas as artes e ciências. Era estranho aquilo. Pois ele ganhava exatamente a mesma coisa que eles e não entendia o que ocorria. O mais estranho era que, após irem servir nos postos, eles nunca mais eram vistos. Sempre acompanhados por figuras estranhas, homens (ou pelo menos pareciam ser) encapuzados usando mantos e de quem nunca se podia ver o rosto.
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Ele se intrigava com aquilo e, parte por inveja, começou a investigar. Apurou que as criaturas que se passavam por servos, na realidade eram os mestres deles. Os conduziam, do posto ao trabalho para que nunca fossem observados ou seguidos. Os alimentavam e os protegiam evitando que fossem atacados pelos comandos da resistência. Era praticamente impossível chegar perto de um deles. Mesmo nos exames, as criaturas cuidavam para que só se chegassem a eles, após cuidadosas revistas e acompanhamento rigoroso.
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Sem notar, o Dr. Alceu é que estava sendo observado e sondado. Numa noite, um carro parou em frente a sua humilde casa na periferia e dois homens bem vestidos saltaram e bateram em sua porta. Ao abri-la, o Dr. Alceu, se assustou e tentou recuar. Agarrado pelo braço, foi conduzido ao interior do veículo. Lá, um homem jovem e com um ar soturno, disse com uma voz pausada, baixa e assustadora: “Dr. Alceu, temos acompanhado seu ”interesse” por nossas operações na Previdência Internacional. Estaria interessado em fazer parte delas?”
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Nervoso, suava frio, e aquelas palavras penetraram em seus ouvidos de uma forma inesperada e estranha. Seu coração parecia parar de bater. Sentia o sangue reduzir a velocidade nas veias e gelar. Naquele momento, seus sentidos estavam tão afiados que ele tinha a percepção ampliada muitas vezes e podia ver o mundo a sua volta como nunca antes. Gaguejando e falando tão baixo que suas palavras soaram quase inaudíveis, ele sussurrou: “S-sim.”
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Sem dizerem mais uma palavra sequer, os homens reuniram-se a ele e o veículo mergulhou na noite. Após várias horas, chegaram à fronteira com UATI. Estranhamente, sem solicitarem documentos ou sequer olharem o interior do veículo, os guardas ergueram a barreira e permitiram a entrada do carro naquele país estranho.
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Chegaram já na alta madrugada a uma construção antiga que aparentava ser um templo. Era muito velha mesmo. Os entalhes nas portas e nas pedras davam ao lugar uma aura inequívoca e assustadora de terror extremo. Podia perceber que era uma língua antiga e, a muito, esquecida. Era estranho. O que eles queriam dele? O que aquele lugar que, agora tinha certeza, era um templo tinha a ver com um médico? Seria um teste? A verdade é que já se arrependera. Queria correr e fugir. Mas sabia que se desistisse, estaria morto.
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Os homens o conduziam pelos corredores escuros e fumarentos, como se já conhecessem o local intimamente. A luz da aurora, que já se pronunciava, era incapaz de penetrar as janelas escuras e aquela atmosfera doentia. Sentia dificuldade em respirar. No ar, havia um cheiro nojento e adocicado que revirava seu estomago.
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Chegaram a um átrio enorme que antecedia um salão maior ainda. No centro do salão, via-se o que parecia ser uma fogueira gigantesca. As chamas subiam pelo ar quase até tocar a cúpula dourada que encimava o templo. Ao seu redor, criaturas com mantos escuros entoavam cânticos que ele não conseguia compreender. Ao centro, um pequeno altar de ouro, circundado por pinturas gigantescas dos Deuses Banq-Eir Oz, retratando todo o panteão sagrado.
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Sobre o altar, um homem vestindo uma túnica dourada era martirizado. Estavam arrancando-lhe os olhos. A cena macabra o chocou profundamente. Virou-se e tentou correr. Foi agarrado, amarrado e silenciado. O estranho homem, que até aquele momento só havia falado com ele no carro, virou-se e calmamente sussurrou em seus ouvidos num tom condescendente: “Doutor, infelizmente não aceitamos desistências”.
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Nada havia preparado o pacato Doutor Alceu para o que aconteceria depois.
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Marcadores: A Previdência Social.
Olá,joia?
Gostei da crítica á família UATI.
Muito bom.
Parabéns.
Abraços.